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Porquê ‘Amor sem Medidas’ é capacitista
Hoje, 3 de dezembro, é mais um ano em que é necessário falarmos do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Infelizmente ainda em 2021, é imprescindível o debate sobre o tema já que o preconceito, discriminação e estigmas permanecem presentes na vida desse grupo até os dias de hoje.
“Amor sem Medidas”, surpreendentemente, tornou-se um sucesso internacional e agradou muito o público estrangeiro, atingindo o patamar de filme não-inglês mais assistido da Netflix. Estreado dia 18 de novembro, conta a história de Ivana e o cardiologista León, que se apaixonam, mas a questão é que ele possui ‘baixa estatura’.
A ideia era demonstrar que o amor não possui tamanho, mas o problema é que a obra mira na superação das diferenças e na força do amor, mas se apoia ao longo do filme em construções hiper capacitistas (discriminação e preconceito social contra pessoas com alguma deficiência). Para explicar, destaquei alguns fatos que me levaram a tais considerações.
1 – Falta de Representatividade
O ator que interpreta León é Leandro Hassum, que através da edição e de mecanismos gráficos, aparece com altura bem menor que a realidade. Mas será que é realmente ‘mais fácil’ contratar alguém sem deficiência e modificá-la tanto assim? Qual será o problema dessa comum e infeliz atitude?
O problema é que essa prática tem nome, se chama ‘crip face’, e é definida pelo emprego de atrizes e atores sem deficiência para fazer papéis de pessoas com deficiência (PCDs). Muitas pessoas desse grupo são artistas habilitados para interpretar tais papéis, mas quando se exclui essa possibilidade, o mercado de trabalho se torna muito mais difícil. Alguns artistas com nanismo se pronunciaram sobre o filme, como Giovanni Venturini, conhecido por atuar como Nico na novela Cúmplices de um Resgate. Num trecho do vídeo, publicado em suas redes sociais, ele afirma:
“Esse filme já é conhecido, baseado num roteiro que já foi feito uma versão argentina, colombiana, francesa, e agora no Brasil fizeram o mesmo erro de colocar um ator que não tem nanismo para interpretar o personagem” afirmou Giovanni.
2 – Piadas Capacitistas
Um filme de comédia brasileira com protagonista portador de nanismo? Antes de começar, já se sabia o que esperar do filme. Desde o início até seu final, o filme constrói piadas sem noção sobre a altura do personagem. As mais marcantes são durante as atuações de Rafael Portugal, na qual ele se refere ao protagonista como “papai smurf”, “petisquinho”, “criança”, dentre outros. Além desta, há mais uma similar com o ator Marcelo Laham, que interpreta o ex-marido de Ivana, onde ele apresenta falas de ódio e apelidos maldosos, como “cotoco”, “piloto de pipa”, dentre diversos comentários ridículos.
Assim como apontado por Giovanni, reforço que a problemática está no fato de que, apesar de Léon ter ‘confrontado’ essas piadas, a intenção do filme não demonstra superação em momento algum. Pelo contrário, tanto na cena do desafio de dança quanto na pancadaria havia uma direção de som e de imagem disposta a caricaturizar a situação, e estas escolhas fazem total diferença na mensagem que o filme transmite.
3 – Infantilização do Nanismo
Outra característica que percebi desde o início do filme. Sobre esse tema, é impossível não destacar a cena do casamento, onde León está vestido de coelho e começa a dançar na festa. A mãe de Ivana é a personificação completa desse estigma onde, em suas falas, é possível perceber um preconceito que assola PCDs. Por favor, pensem antes de chamar pessoas com nanismo de ‘fofas’, ‘bonitinhas’, atribuir adjetivos no diminutivo, tratá-las como crianças… apenas parem.
Não é apenas em seu momento mais descarado que é possível perceber as atribuições de comportamentos infantis ao protagonista. Tudo foi trabalhado em prol dessa percepção; o enquadramento da câmera ao apresentar o protagonista com outro personagem, a trilha sonora, as falas, até a relação de León com sua filha em determinados momentos parecia inverter os papéis, demonstrando-a quase como sua mãe.
Leandro Hassum sobre o filme:
Hoje, a comédia, aquela que eu decidi fazer, é a comédia de identificação e não de exclusão. Uma comédia onde o público se identifica com o que está vendo, seja no teatro, na tela da tv, no streaming, no cinema… Que através do humor, a gente consiga passar, não só a gargalhada, mas também a mensagem”, disse Leandro.
É realmente preocupante que a intenção de criar e produzir um filme inclusivo e que deseja transmitir alguma mensagem não tenha sido estudada e pesquisada da forma certa. Essa atitude consegue apenas ferir ainda mais esse grupo.
O filme peca grandemente em sua representação preconceituosa sobre pessoas com nanismo. A falta de representatividade é presente inclusive na criação e desenvolvimento do filme, já que uma adaptação assim não pode ter sido aprovada por uma PCD. Com todos esses aspectos, é apavorante que “Amor sem Medidas” tenha sido um dos filmes brasileiros mais assistidos em novembro pela Netflix. Isso só prova que esse debate é extremamente importante, e que precisa ser levado a sério.
Vídeo de Giovanni Venturini e Juliana Caldas sobre o filme.
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Jornalista em formação, marvete de carteirinha e amante da sétima arte.